O pedido tem origem na quebra de um bloco de empresas que, segundo os prejudicados, integrava o grupo Telecom Itália, controladora da TIM. As empresas falidas tinham à sua frente a Tecnosistemi e a Eudosia, encarregadas da instalação de antenas utilizadas hoje pela operadora.
Com a interrupção súbita dos pagamentos, as empresas-satélites deixaram de cumprir contratos com fornecedores e empregados, que moveram centenas de processos na justiça, reclamando o vínculo empresarial com a multinacional italiana. As empresas faliram e o que se requer agora é a extensão da falência à TIM.
Segundo consta dos autos, a tática para maximizar lucros teria sido a de usar os serviços de empresas dirigidas por seu próprio pessoal (para que o faturamento ficasse “em casa”) e, terminada a tarefa, desmobilizá-las. A TIM já negou as acusações e repele qualquer vínculo societário com as empresas. Os advogados dos reclamantes citam exemplos de situações semelhantes verificadas em diversos países onde a multinacional italiana tem negócios.
A Telecom já foi citada. O processo corre na 42ª Vara Cível Central de São Paulo. O pedido, feito pelo síndico da massa falida, está sob os cuidados da juíza Adriana Borges de Carvalho. Por meio de sua assessoria de imprensa, a TIM informou que não vai se pronunciar sobre o processo.
Candelabro brasileiro
O percalço em torno da operadora acontece no momento em que a empresa enfrenta pressões na Itália. Em escândalo continuado, os dirigentes da Telecom Itália respondem por uma série de ações ilegais em esquema que tem a cabeça na Itália e os pés no Brasil.
Um ex-agente do serviço secreto italiano, Marco Bernardini, para obter os benefícios da delação premiada vem fazendo revelações que levaram ao córner os comandantes do grupo e à cadeia pelo menos quatro altos executivos do conglomerado. Os principais acionistas e executivos do grupo acusam-se mutuamente pelos desmandos e atos ilegais que a justiça italiana investiga.
Entre as revelações atordoantes do ex-agente — que passou a fazer carreira solo com uma empresa de investigação privada —, está a de que brasileiros foram contratados para serviços clandestinos no país. Entre eles, estariam o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Mauro Marcelo; o advogado Marcelo Ellias e seu sócio Luís Roberto Demarco. O agente afirmou também que a Embratel foi utilizada para interceptação de comunicações telefônicas e telemáticas para o grupo.
O assunto perdeu força no Brasil, mas na matriz da concessionária lances cinematográficos se sucedem na mídia: chantagens, um suicídio mal explicado, uso de uma mulher belíssima para seduzir o editor do mais conhecido jornal italiano e um extenso cardápio de manobras sórdidas como atalhos para o lucro fácil. O item mais recorrente são as operações de espionagem e contra-espionagem nas disputas empresariais.
Nesse festival, jornais e jornalistas trocaram o papel de observadores dos fatos para se tornar protagonistas ou alvos da novela. O Blog do Mino (“Direto da Olivetti”) informou há poucos dias que quatro pessoas foram detidas na Itália “por terem penetrado no sistema de computadores do jornal Corriere della Sera, de Milão (o qual publica uma edição diária no Brasil). Entre os detidos está Giuliano Tavaroli, ex-chefe de segurança da Pirelli e da TIM, e depois promovido à chefia na sede central milanesa”. Tavaroli, relata a nota, “comandou uma operação de espionagem de figuras de grande destaque da política e da economia italiana, entre elas o atual premier Romano Prodi”. A operação, segundo Bernardini, foi executada sob o comando de Marco Tronchetti Provera, demissionário da presidência da Telecom Italia.
A Embratel não quis se manifestar sobre o assunto.
Monitoração abusiva
No Brasil, o principal alvo das operações de espionagem é o banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity — adversário derrotado da Telecom Itália na disputa pelo controle da Brasil Telecom. Acusado de ações de espionagem contra seus concorrentes, Dantas, pelo que se apura agora na Itália, foi monitorado não apenas pelo setor privado, mas pelo próprio governo brasileiro que se teria engajado na guerra de negócios.
No processo que corre na justiça italiana, cita-se entre outras pérolas um CD que “contém documentação relativa à monitoração abusiva de e-mails pertencentes a pessoas ligadas aos escândalos da Brasil Telecom e Opportunity, entre eles advogados, jornalistas e diretores de empresa”.
Jannone agora participa do processo como testemunha. Protagonista no embate sobre a Brasil Telecom, “agora reconstrói o fato como uma guerra de espiões e de corrupção, que teria envolvido também Mauro Marcelo, nomeado chefe dos serviços secretos brasileiros em 2004 e afastado em 2005 e uma mulher que organizava festas para encontros de personalidades”, segundo publicou La Stampa. O delegado Mauro Marcelo admite que mantinha relações com o chefe de segurança da TI, Ângelo Jannone, mas nega que tenha trabalhado para ele.
Mais barato
Ao ser indagado sobre os consultores brasileiros contratados indiretamente pela Telecom italiana, Bernardini descreveu Marcello Elias como “um advogado de São Paulo, arrecadador de dinheiro, para uma série de personagens políticos e membros da Polícia Federal: Janone me dizia que sua atividade era recompensada”. Bernardini disse ter repassado a brasileiros “aproximadamente 1 milhão e 100 mil dólares, que no Brasil valem o triplo se considerarmos que o poder de compra é 3 vezes inferior em relação à Itália”. Janone alega que isso era necessário para defender a empresa para quem trabalhava dos ataques de Daniel Dantas usando de comprovadas ilegalidades da agência de investigações utilizada pelos brasileiros, a Kroll. Uma guerra sem exclusão de golpes, como publicou a imprensa italiana: “Pagar o advogado Elias – explica por exemplo Janone – era a maneira de também pagar Luís De Marco, pessoa muito influente no Brasil, muito amigo do alto escalão dos fundos de pensão, que eram sócios da Brasil Telecom”.
As acusações têm sido publicadas pela revista La Stampa e pelo jornal Corriere della Sera. O advogado Marcelo Elias não retornou as ligações deste site embora tenha sido informado do teor desta reportagem, em mensagem gravada em seu celular. À Folha de S.Paulo, Elias negou apenas que tenha recebido 500 mil dólares conforme divulgou a imprensa italiana. Admitiu que recebeu apenas 250 mil. O empresário Roberto Demarco não foi encontrado para dar sua versão.
Jannone, um ex-policial contratado pela Telecom Itália, foi quem conseguiu obter o relatório da Kroll — encomendado pela Brasil Telecom — e que constatou a participação do governo, em especial de Luiz Gushiken e do ex-presidente do Banco do Brasil, Cássio Casseb, nas arapucas para destronar Daniel Dantas, missão empreendida com sucesso.
O banqueiro teve seus computadores apreendidos e a Justiça examina agora o conteúdo de suas comunicações pessoais para decidir o que poderá ser usado contra ele no inquérito criminal sobre a contratação da Kroll para a investigação de seus adversários.
Pelo conjunto e pelos detalhes, essa guerra comercial pede mais que boas reportagens. Pede uma peça teatral com as ironias de Luigi Pirandello ou um filme com a força dramática de Quentin Tarantino. Por enquanto — e durante muito tempo, como se percebe — a obra está nas mãos de dois autores: Giuseppe Gennari e Cecília Mello. Respectivamente, o juiz italiano e a juíza brasileira encarregados de examinar os fatos em questão.